Lula envia isenção de IR até R$ 5 mil ao Congresso: entenda o que pode mudar e impactos da proposta

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Por redacao
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O governo federal encaminha nesta terça-feira (18/3) ao Congresso Nacional proposta para isentar do Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil por mês.

A proposta é uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ela havia sido anunciada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final do ano passado, junto ao pacote fiscal que incluiu medidas como a mudança na regra de reajuste do salário mínimo.

A expectativa do governo é de que o projeto seja aprovado ainda este ano, a tempo de a isenção valer já em 2026.

“A verdade é que quem paga IR nesse país é quem tem desconto na fonte, por que aí não tem como sonegar. É descontado na folha de pagamento dele. Mas quem ganha muito as vezes nem paga. Inventa sempre uma ‘mutreta’ qualquer para não pagar. Queremos salvar o povo trabalhador de pagar o IR enquanto muita gente rica sonega”, disse Lula na sexta-feira (14/3), ao anunciar que a proposta seria encaminhada ao Congresso nesta semana.

Segundo a proposta, a mudança no IR não terá impacto fiscal, pois a ideia é que o aumento da taxação sobre os mais ricos compense a perda de arrecadação com a ampliação da isenção.

O governo está propondo um imposto mínimo para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, seja através de um CPF ou de CNPJ. Anteriormente, Haddad tinha afirmado que essa taxa poderia chegar a até 10% da renda.

Nesta segunda-feira (17), Haddad afirmou que a perda de arrecadação com a medida é estimada em cerca de R$ 27 bilhões para 2026.

Inicialmente, a perda de arrecadação havia sido estimada em R$ 32 bilhões, mas o valor foi recalculado.

“Foi um recálculo, porque este ano haverá uma pequena correção depois do Orçamento, por conta do aumento do salário mínimo”, disse o ministro.

A medida é vista como parte do “pacote de bondades” de Lula em meio à queda de popularidade de sua gestão às vésperas das eleições presidenciais, previstas para outubro do ano que vem.

Além da isenção do IR para rendimentos até R$ 5 mil, o governo também deu início a uma reforma ministerial e anunciou nas últimas semanas medidas como o crédito consignado para trabalhadores formais e a liberação do saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para quem aderiu ao saque-aniversário.

Uma pesquisa realizada pela Quaest em dezembro mostrou que 75% dos entrevistados aprovavam a isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil. Ao fim do ano passado, a medida tinha alto índice de aprovação tanto por eleitores de Lula, quanto por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Defensores da proposta dizem que a tabela do Imposto de Renda está defasada em relação à inflação há anos, o que leva os contribuintes a pagarem mais impostos.

Já os críticos consideram a proposta “eleitoreira” e argumentam que a medida beneficia a classe média e aumenta a concentração de renda, além de não contribuir com o esforço de equilíbrio fiscal do governo.

Economistas também alertam que a injeção de recursos na economia gerada pelo pagamento menor de impostos pode ter impacto sobre a inflação e a taxa de juros.

Entenda o que pode mudar caso a proposta seja aprovada pelo Congresso e os possíveis impactos da medida.

Para quem ganha até R$ 5 mil: isenção
Na lei, limite atual de isenção é de R$ 2.259, mas com o mecanismo de “desconto simplificado” adotado pelo governo Lula desde 2023, na prática, a isenção beneficia quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824).

Havia 40,6 milhões de declarantes no ajuste anual do IR, segundo dados de 2022. Desses, cerca de 16 milhões estavam isentos pela regra atual (39% do total).

Com a proposta, mais 16 milhões de pessoas devem ficar isentas adicionalmente, segundo cálculo da MCM Consultores, o que resultaria em 32 milhões de isentos — ou 79% do total, um patamar sem precedentes.

A proposta também deve trazer descontos no imposto para quem ganha até R$ 7,5 mil.

O grupo dos super-ricos — aqueles que recebem mais de R$ 50 mil mensais — deve passar a pagar mais Imposto de Renda, com uma alíquota mínima de 10%, a ser cobrada sobre todas as fontes de renda.

A ideia do governo é que o debate no Congresso sobre a isenção para salários de até R$ 5 mil seja concluído este ano — e, se aprovada, a medida passe a valer em 1º de janeiro de 2026.

Possíveis impactos
O governo federal estimou a perda de arrecadação com a isenção do IR para rendimentos em R$ 27 bilhões em 2026.

Na prática, o que as pessoas vão deixar de pagar em imposto deve significar uma injeção adicional de recursos na economia, com efeito sobre o consumo das famílias, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a inflação e a taxa de juros, observaram os economistas da MCM Consultores, em um estudo divulgado na semana passada.

Segundo a equipe da MCM, como a economia brasileira já está atualmente superaquecida, o choque esperado no consumo das famílias pode resultar em que o Banco Central não tenha espaço para reduzir a taxa básica de juros em 2026 ou pode até ter que ajustar um pouco para cima a taxa, para combater os efeitos da injeção de recursos na economia sobre a inflação.

Isso porque, com mais dinheiro no bolso, as famílias vão às compras, pressionando a demanda e os preços dos produtos.

Estudos realizados pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made-USP) antes da proposta do governo ser encaminhada ao Congresso mostraram que a isenção do IR até R$ 5 mil beneficia grupos já privilegiados da sociedade.

Segundo os pesquisadores, é preciso que a medida de fato seja combinada com uma maior tributação do topo para que não haja uma piora na desigualdade do país.

“Atualmente, temos mais ou menos 22% da população pagando Imposto de Renda, e com a mudança da regra vai ter só 8%”, destacou Luiza Nassif Pires, diretora do Made-USP e professora do Instituto de Economia da Unicamp, em entrevista à BBC News Brasil em dezembro.

“Então, tem um problema que, apesar da sensação de que aumentar a isenção até R$ 5 mil é algo que distribuiria renda para a base, na verdade, isso é uma distribuição de renda para uma classe média já mais no topo da pirâmide”, completou a pesquisadora.

Também em entrevista à BBC, Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) e chefe de pesquisa econômica do Julius Baer Family Office, criticou o fato de a mudança do IR ter sido anunciada junto ao pacote fiscal do governo.

“O ministro [Haddad] tem dito que tem como objetivo fazer uma grande reformulação dos impostos de renda, com vistas a reduzir o grau de regressividade e talvez tornar os impostos de renda brasileiros mais progressivos. O ministro está absolutamente correto. Agora, isso demandaria uma revisão mais ampla de todos os impostos de renda. Não é isso que foi feito”, observou Pessôa, em conversa com a BBC em novembro.

“O que foi feito é uma medida que, no meu entender, é eleitoreira para que o presidente consiga que uma parte da população, cuja maioria não votaria com ele, passe a votar com ele em 2026”, acrescentou o economista.

Para Pessôa, será fundamental acompanhar a tramitação do projeto no Congresso.

“O grande medo que fica é o Congresso aprovar a isenção, o aumento da tabela do Imposto de Renda, e não aprovar o imposto sobre os ricos. Aí cria um desequilíbrio fiscal, agrava o problema”, observou o economista.

BBC

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