Com a queda de um avião de pequeno porte em Prado, no Sul da Bahia, o Brasil chegou à marca de um acidente a cada dois dias de 2025. Ao todo, até ontem, conforme o painel do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer), foram registrados 23 acidentes e incidentes graves ao longo de janeiro e os primeiros dias deste mês. Sete deles foram fatais e, até o momento, 11 pessoas morreram em decorrência de quedas de aeronaves. Na última ocorrência, no fim da tarde de segunda-feira (10/2), um empresário mineiro morreu e o piloto ficou ferido quando um ultraleve caiu e explodiu próximo à Praia da Barra do Cahy, em Cumuruxatiba, na Bahia.
Por trás da escalada, apontam especialistas, está um aumento da frota de aeronaves de pequeno porte e do número de horas de voo desde o início da pandemia de COVID-19, que assinalam ainda que, dependendo do tipo de operação, as exigências de segurança são menos rígidas.
O empresário Fredy Tanos é uma das vítimas da queda do avião na segunda-feira. Natural de Sete Lagoas, na Região Central de Minas Gerais, o farmacêutico bioquímico era diretor da rede de diagnóstico Laboranálise, que possui três unidades na cidade. Pelas redes sociais, a empresa lamentou a morte de seu fundador. “É com profundo pesar que comunicamos o falecimento do nosso diretor, Fredy Tanos. Neste momento de dor, expressamos nossas mais sinceras condolências à família, amigos e colaboradores”. O empresário ficou preso às ferragens e teve o corpo carbonizado.
Além do mineiro, o piloto Mário Alessandro Gontijo de Melo, identificado como proprietário da aeronave, teve ferimentos pelo corpo e foi encaminhado, lúcido, ao Hospital Luís Eduardo Magalhães, em Porto Seguro. Segundo os bombeiros, ele é proprietário da aeronave e ex-secretário municipal de Saúde de Eunápolis (BA), na região ao sul do estado.
Até o momento, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) não identificou o que provocou a queda. Registros apontam que a aeronave voava baixo na hora do acidente, mas ainda não se sabe o que causou a queda. De acordo com o Sipaer, o equipamento era um ultraleve experimental. Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), esse tipo de transporte é construído a partir de um kit do projeto de uma Aeronave Leve Esportiva (ALE), por um fabricante ou por terceiros. “As ALE-Experimentais possuem limitações de operação e são impedidas de realizar atividades remuneradas”, aponta a agência.
Ao Estado de Minas, o Cenipa informou que agentes do Segundo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa II), com sede em Recife (PE), foram acionados para investigar o caso. “Durante a Ação Inicial, são aplicadas técnicas específicas por profissionais qualificados e credenciados, responsáveis pela coleta e confirmação de dados, preservação dos elementos, verificação inicial dos danos causados à aeronave ou pela aeronave, e pelo levantamento de outras informações necessárias à investigação”, explicou o órgão em nota.
AUMENTO DE ACIDENTES
O número de sinistros aéreos nos últimos dois meses fechados – dezembro de 2024 a janeiro de 2025 – chegou a 41, sendo 11 fatais, que provocaram a morte de 24 pessoas. O incremento é de 46,4%, na comparação com igual período anterior, já que no último mês de 2023 e no primeiro de 2024 houve 28 acidentes aéreos, sendo nove fatais, com 23 mortes.
Apesar da elevação na comparação dos números absolutos,o diretor-técnico da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), Raul Marinho, afirma que esse salto não se repete quando se leva em conta outras variáveis, como a quantidade de acidentes por milhão de horas voadas ou por milhão de decolagens realizadas. Nesse caso, os dados apontam uma estabilidade.
Segundo o especialista, o aumento no número absoluto de sinistros está relacionado ao aumento da frota e horas voadas. “De fato, os números estão aumentando ou aumentaram no último ano, e agora estamos tendo um mês horroroso, em termos de segurança de voo. Da pandemia para cá tivemos um aumento de aproximadamente 42% na frota de jatos executivos e de quase 60% em turboélices, como foi o caso da aeronave que caiu na última sexta-feira em uma avenida na Barra Funda, em São Paulo. De qualquer maneira, a quantidade de acidentes está muito acima do que a gente gostaria”, diz.
OS PERIGOS
Segundo o Sipaer, 12 aeronaves que se envolveram nos acidentes registrados em 2025 estavam sendo usadas em operações agrícolas e seis em operação privada. Marinho explica que o primeiro segmento está mais suscetível a sinistros, uma vez que seu plano de voo inclui pouca altitude e velocidade. A primeira característica impede que o piloto tenha tempo de recuperar a altitude, caso haja algum problema na aeronave, “já que está muito próximo do chão”. “E também, ele voa em uma velocidade muito baixa, e isso significa que fica muito próximo do Stol, que é quando o avião perde sustentação por questão de velocidade”.
Já na aviação privada, o especialista aponta diferenças em relação às operações de táxi aéreo – que têm menor incidência de acidentes, dois no período analisado. Como causa principal, o diretor-técnico da Abag aponta a flexibilidade nas regras de segurança como: quantidade de comandantes, horas de experiência e redução de requisitos de operação. Conforme Marinho, em operações privadas, dependendo do tipo de aeronave, é permitido apenas um piloto. Além disso, em caso de profissionais, é necessário 150 horas de voo. Se for “piloto-proprietário” a experiência exigida cai para 40 horas.
“Em um táxi aéreo, (é preciso) um gestor responsável, um diretor de operações, um diretor de manutenção e um diretor operacional, no mínimo. Enquanto que a aviação privada pode operar só com um gestor, que faz tudo e fim de papo. Então, você não tem uma supervisão. Não tem a necessidade de controlar a sua manutenção com um engenheiro aeronáutico operando, como é no caso do táxi aéreo, você simplesmente faz uma revisão anual, e pelas regras está tudo certo”, disse.
TRANSPORTE SEGURO
Apesar da quantidade de acidentes, Joselito Paulo, diretor-presidente da Associação Brasileira de Segurança de Aviação (Abravoo) afirma que, ao analisar os dados dos últimos 10 anos, é possível verificar que não houve grandes variações no número de acidentes aéreos, o que mostra que o avião ainda é o meio de transporte mais seguro. Entretanto, há uma disparidade no rigor dos parâmetros de segurança entre aeronaves de pequeno e grande porte.
“A regulação, fiscalização, a solicitação de itens de segurança e a quantidade de pessoas que trabalham em uma aeronave de pequeno porte é muito inferior do que para uma aeronave de grande porte, que transporta mais de 100 pessoas. Quando ocorre um evento desses (de grandes proporções), devemos estar antenados para verificar o que aconteceu para evitar outros”.
Para o diretor da Abravoo, estatisticamente, no Brasil viajar de avião continua sendo seguro. Parte disso, segundo ele, é creditado à fiscalização e regulamentação. “Nós temos uma agência reguladora com alto índice comprovado por auditoria externa, ou seja, nossos parâmetros, nossa regulamentação, legislação é nível de excelência. Eu me sinto muito tranquilo para viajar de avião. Nós estamos sujeitos a erros e falhas e temos que aprender com eles”.
Procurada, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) informou que existe uma regulação estruturada voltada às operações da aviação geral, que se inicia com a certificação das aeronaves e seus componentes; dos pilotos e dos mecânicos; das oficinas; das escolas de pilotagem e da infraestrutura aeroportuárias. Segundo a Anac, a ausência de habilitações válidas ou de vistoria anual impedem a operação das aeronaves.
“As aeronaves devem ter sua condição técnica anualmente reportada por uma organização de manutenção e os pilotos precisam revalidar suas habilitações a cada dois anos no mínimo, demonstrando que mantêm a proficiência para operar o equipamento. Os pilotos também devem manter seu certificado médico aeronáutico válido, realizando exames periciais pelo menos anualmente”, informou a agência.
OUTROS ACIDENTES
Minas Gerais registrou dois acidentes aéreos neste ano. No primeiro, em 22 de janeiro, um avião agrícola caiu durante uma manobra matando o piloto, que estava sozinho. Cinco dias depois, um helicóptero caiu em uma fazenda de Cruzília (MG), matou três pessoas: o piloto Fernando André Ferreira, o gerente da fazenda, Lúcio André Duarte e a esposa dele, Elaine Moraes de Souza. Um outro avião agrícola caiu no mês passado, matando o piloto no acidente em Canarana (MT). Ainda em fevereiro, na última sexta-feira (9), um avião de pequeno porte chocou o Brasil ao cair na avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda, zona oeste da capital paulista.
Estado de Minas