As polícias civis do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, com apoio da PM, realizam nesta quarta-feira a Operação Conexão Perdida, contra traficantes do Terceiro Comando Puro (TCP) capixabas que estabeleceram no Complexo da Maré , na Zona Norte do Rio, um esquema de extorsão e de lavagem de dinheiro. Ao todo, os criminosos movimentaram R$ 43 milhões em apenas um ano. Desse valor, R$ 27 milhões foram lavados apenas por Gisele Lube, apontada como uma das integrantes da quadrilha e presa durante a ação.
Segundo o secretário de Segurança Pública do Rio, Victor Santos, Gisele foi escolhida a dedo pelos chefes do grupo criminoso. Isso porque para movimentar uma quantidade alta de dinheiro é preciso ter o CPF limpo. Ela foi localizada na Vila dos Pinheiros.
— Essas pessoas são escolhidas exatamente por não terem antecedentes. Você vai olhar o CPF, vai olhar o registro, não tem nada. Então é um perfil bom, que pode fazer parte de um quadro societário de uma empresa que movimenta esses milhões que a gente viu. Os criminosos procuram pessoas da família, amigos ou até moradores da própria comunidade que têm um nome limpo, para que sejam emprestados os seus dados para se colocar como empreendedor — explica.
Até o momento, dez pessoas foram presas, incluindo Gisele: 7 no Rio, incluindo 2 em flagrante, e 3 no Espírito Santo. Também foram apreendidos quatro fuzis. Agentes saíram para cumprir cerca de 20 mandados de prisão na parte da Maré dominada pelo TCP e em endereços em Ramos, em Laranjeiras, em Campo Grande, todos bairros no Rio, e em Vitória.
Principal alvo
O principal alvo da polícia, de acordo com a Secretaria de Segurança, é Bruno Gomes de Faria, que continua foragido. As investigações que levaram à atual operação começaram em novembro de 2023, após a prisão, em Vitória, do traficante Luan Gomes de Faria, irmão de Bruno. Os dois são popularmente conhecidos como os Irmãos Vera e eram os chefes do TCP no estado capixaba. Bruno fugiu para o Complexo da Maré depois da prisão do irmão.
— O Bruno é uma peça fundamental porque ele tem essa liderança sobre aquela região do Espírito Santo. Obviamente, ele veio para o Rio de Janeiro porque sabe da dificuldade de as polícias atuarem nas favelas. Isso por conta da topografia ou pela desordem, que a gente sabe que é muito difícil fazer uma busca e apreensão numa comunidade onde as casas são germinadas e a polícia, obviamente, não vai atuar de forma ilegal arrombando e invadindo as casas dos moradores sem saber exatamente o destino daquele criminoso — conta.
Dados da Subsecretaria de Inteligência do Espírito Santo mostram que o grupo capixaba extorquia dinheiro de funcionários de empresas provedoras de internet, água e gás, que só podiam atuar nas áreas controladas pelo TCP na Maré mediante o pagamento de mensalidades que chegavam a R$ 10 mil. Além disso, para gerenciar e ocultar os valores ilícitos, os criminosos possuíam diversas contas bancárias, incluindo as de uma casa lotérica e a do “banco paralelo” instituição financeira irregular que operava dentro do Complexo da Maré, oferecendo empréstimos para os moradores da comunidade.
— Essa prática dessa organização criminosa é a mesma que a milícia sempre teve, que é a extorsão. Esse valor expressivo movimentado não é de venda de drogas, é da exploração de serviços. A quantidade de pessoas que vão consumir água, luz e internet é muito maior do que aqueles que consomem droga. Precisamos entender a economia do crime. Hoje o traficante só vende droga para não ser chamado de miliciano, porque as atividades são as mesmas. Esse banco paralelo oferecia “crédito fácil” para uma população carente, sem exigir comprovantes de renda, somente com a garantia de que não vai haver inadimplência. Claro, até porque o medo de não pagar é muito grande — destaca Victor dos Santos.
Indagado sobre como a polícia acredita que seria possível coibir essas movimentações de grande valor entre criminosos de outros estados, o secretário pontua a necessidade de um trabalho integrado com o governo federal:
— O Rio já dispõe de uma ferramenta que o governo federal poderia utilizar melhor, que é o Cifra, adequado para que se rastreie esse tipo de movimentação. Só que a participação do governo federal no Cifra é muito tímida. Hoje só o estado atua. Então a gente precisa ter ali a Polícia Federal, a Receita Federal, o Coaf, tudo isso são órgãos e estruturas que poderiam estar mais presentes.
Presos em flagrante
Durante a operação, um dos presos em flagrante foi identificado como Renê Gomes Silva, o RN da Nova Holanda. Ele foi pego ao tentar roubar um caminhão na Avenida Brasil para levar para a comunidade. Ele estava conduzindo uma moto roubada e, após uma rápida perseguição, caiu no asfalto. Outro homem, não identificado, foi preso pelo Bope com um fuzil no Timbau.
No fim da madrugada, a Avenida Brasil chegou a ser fechada por alguns minutos pela Polícia Militar. Houve intensos tiroteios e barricadas em chamas, mas ninguém ficou ferido.
— Houve o fechamento da Brasil pela PM como forma de resguardar a segurança das pessoas. Bloqueamos essas vias para garantir a integridade física dos moradores. Tivemos essa tomada do território pela PM para a Civil efetuar as prisões. Ali não é um território criminoso, é do Estado e das pessoas de bem. Nós temos a desordem como regra no Rio. Existe a dificuldade de atuar e as armas ficam nas mãos dos criminosos. Porém nós estamos trabalhando muito porque aqui vagabundo não vai ter moleza — ressaltou Victor dos Santos.
O Globo