No mundo animal, o calor e a seca extremos de 2024 se materializaram na forma de capivaras louras. No Pantanal do Mato Grosso, e mesmo em parques de Cuiabá, algumas dessas roedoras semiaquáticas, conhecidas pela pelagem castanha ou ruiva, ganharam uma tonalidade amarelo-claro e dourada. As causas foram a exposição ao sol sem misericórdia por meses a fio, explicam cientistas.
O ecólogo Juliano Bogoni, professor da Universidade do Estado do Mato Grosso (Unemat) e da Rede de Biodiversidade e Biotecnologia da Amazônia Legal (Bionorte), diz que a lourice das capivaras expõe os efeitos da inclemência do clima sobre a fauna.
Em 2024, Cuiabá ficou 160 dias sem chuva. Ela voltou fraca, a partir de 24 de setembro. Pingou em outubro e novembro. Chuva mais consistente mesmo só houve no mês passado, com a esperança de que neste mês seja melhor. Uma situação semelhante ocorreu no Pantanal, que ainda sofreu com incêndios.
O calor segue chegando fácil acima dos 35°C no estado. Alívio relativo, só mesmo se for comparado aos dias de seca no Mato Grosso, quando o termômetro passou com frequência dos 40ºC e marcou escorchantes 44,1ºC em 6 de outubro.
— Pensamos na adaptação de seres humanos. Mas os animais também sofrem e têm ainda menos chance de se proteger do que nós. Tudo acontece muito depressa e com intensidade — destaca Bogoni.
Sem sombra e água fresca, aconteceu com a pelagem das capivaras um clareamento semelhante ao que ocorre com cabelos humanos sob exposição prolongada à radiação ultravioleta do Sol.
Os raios UV degradam a melanina, pigmento protetor que existe na pele e nos pelos. A cor e a proteção diminuem à medida que a melanina é degradada. E as capivaras acabaram louras, no tom dos extremos climáticos.
Maior vulnerabilidade
O louro da cor dos extremos não tem o viço do castanho original. Perdeu o pigmento e a textura. Além disso, as capivaras ficaram com a pele mais ressecada e sujeita a desconforto.
As capivaras se tornaram louras, desconfortáveis e também mais vulneráveis.
— Vemos só a mudança de cor. Mas a seca e o calor têm impacto fisiológico muito maior do que isso. Geram perdas metabólicas, os animais precisam fazer alterações em sua termorregulação. Tendem a mudar o horário de atividade e ficar mais noturnos. Diminui a disponibilidade de alimentos, há mais estresse térmico — frisa Bogoni.
E ser loura em terra de onça é sinônimo de problema. Bogoni diz que as louras são mais chamativas que suas irmãs castanhas e, assim, vulneráveis à sua maior predadora.
A mudança de cor não é permanente. A volta da chuva e uma menor exposição ao Sol podem deixar as capivaras ruivas e castanhas de novo. Porém, à medida que a mudança do clima avança e transforma ecossistemas, os animais perdem habitats.
Para as capivaras e todos os bichos do Pantanal, as chuvas são questão de sobrevivência. Sem elas, não há cheia, e sem cheia, não existe Pantanal.
— A seca prolongada e extrema provoca mudanças profundas na fauna adaptada à água — diz Bogoni.
Ainda vai demorar para que muitas das áreas pantaneiras castigadas pela seca inundem, afirma Ibraim Fantin, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Recursos Hídricos da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).
— Está chovendo agora e algumas áreas já estão com água, mas viemos de um período muito seco. Por isso, mesmo que chova na média, não será tão rápido — explica Fantin.
Ainda louras dos rigores da primavera passada, as capivaras esperam por dias melhores trazidos pelas chuvas de verão.
O Globo