O Ministério Público da Paraíba (MPPB) ajuizou, nessa quarta-feira (4/12), uma ação civil pública de obrigação de fazer e dano moral coletivo em face da empresa Uber do Brasil Tecnologia Ltda, por racismo religioso praticado por motoristas do aplicativo contra usuários de religião de matriz africana. Na ação, o MPPB requer que a empresa seja condenada a promover capacitações aos seus motoristas para combater essa prática discriminatória e que também seja condenada a pagar indenização de R$ 3 milhões por dano moral coletivo, a ser revertido ao Fundo Estadual de Direitos Difusos da Paraíba (FDD-PB).
A Ação 0875862-24-2024.8.15.2001 proposta pela 46ª promotora de Justiça de João Pessoa, Fabiana Lobo, é um desdobramento do Inquérito Civil Público 002.2024.016457, instaurado para apurar notícia veiculada na imprensa local sobre racismo religioso cometido, no dia 25 de março deste ano, por um motorista da empresa Uber Brasil contra uma usuária. Ela tramita na 6ª Vara da Fazenda Pública da Capital.
De acordo com a promotora de Justiça, foi constatado que o motorista da Uber se negou a transportar a consumidora a um terreiro de Candomblé, tendo cancelado a corrida, após enviar a ela uma mensagem de conteúdo racista religioso. A vítima registrou Boletim de Ocorrência na Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Homofóbicos, Étnico-Raciais e Delitos de Intolerância Religiosa da Capital, ocasião em que informou ser costumeira a prática de racismo religioso por motoristas da empresa Uber, que costumam cancelar corridas quando a origem e/ou destino é um local de prática de religião de matriz africana.
“Quem vai é outro, tô fora!”
Lobo destacou que, no decorrer do inquérito, foi constatado que mais usuários foram discriminados e vítimas de racismo religioso por parte de motoristas da empresa de aplicativo. “Apesar de assegurada por documentos internacionais de direitos humanos e pela própria Constituição brasileira, o direito fundamental à liberdade religiosa continua sendo, diuturnamente, vilipendiado. Um matéria publicada no Jornal da USP, em novembro, destacou que a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos registrou, no primeiro semestre deste ano, 1.940 denúncias de violações de liberdade religiosa no País e que as religiões de matriz africana são os principais alvos de discriminação. Dos 575 casos em que houve identificação da vítima, 276 envolveram adeptos de religiões afro-brasileiras”, disse.
No inquérito, as vítimas ouvidas relataram ter passado por situações discriminatórias e constrangedoras, durante a prestação do serviço prestado pela Uber. “Há relatos de que um motorista colocou música de louvor cristã em alto volume, embora a usuária tivesse solicitado que não fosse ligado o som e pedido para ele baixar o volume. O motorista chegou a dizer que a música era para Jesus e quando ela disse que colocaria música para Oxalá no celular dela mesma, ele parou o carro e a mandou descer. Outro motorista perguntou a uma usuária ‘que moléstia era Ilê Axé Omidewá’ e quando ela informou que era a casa de culto de matriz africana, ele também a mandou descer do carro. Em outra situação, a negativa se deu por meio de mensagem jocosa e preconceituosa, dizendo ‘sangue de Jesus tem poder! Quem vai é outro, tô fora’”, exemplificou.
Segundo a promotora de Justiça, têm sido recorrentes os registros de casos de ofensas à liberdade religiosa – sobretudo relacionada às religiões de matriz africana – na Promotoria de Justiça de defesa da cidadania de João Pessoa. “Discriminações, preconceitos, violências físicas, humilhações, são, lamentavelmente, rotina para as pessoas que professam as denominadas ‘religiões de terreiro’, comumente associadas, por pura ignorância ou má-fé, a algo de natureza maligna. O racismo religioso atravessa violentamente a vida dos praticantes de religião afro-brasileiras, gerando medo de que sofram violências ao utilizar suas indumentárias religiosas em público, da demonização de suas práticas e da vandalização de seus locais de culto. Por isso, é necessária a adoção de medidas eficazes pelo Poder Público, incluindo o Poder Judiciário, para frear, não apenas no campo penal, essas violações de direito fundamental que persistem em pleno século XXI”, defendeu.
Responsabilização
Conforme explicou a promotora de Justiça, a relação jurídica estabelecida entre a empresa Uber e os usuários se caracteriza como relação de consumo e por isso, está submetida às regras do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/1990), segundo as quais a empresa responde objetivamente (mesmo que não tenha culpa) pelos danos ocasionados aos consumidores por falhas na prestação dos serviços. “Caracterizada a inegável relação de consumo, é dever da empresa adotar medidas efetivas para capacitação de seus motoristas contra a prática de racismo religioso, bem como de indenizar o dano moral coletivo ocasionado aos ‘povos de terreiros’ pelas condutas aqui retratadas”, enfatizou.
A promotora de Justiça destacou ainda que, em audiência realizada no último dia 1º de agosto, foi apresentada à Uber do Brasil proposta de acordo para que promovesse capacitação dos seus motoristas contra a prática de racismo religioso e custeasse campanha publicitária sobre o tema voltada para o público externo, o que não foi aceito. “Tímidas foram as medidas adotadas pela empresa, que não demonstrou ter efetivamente capacitado seus motoristas e nem promovido campanha de conscientização de longo alcance. Em face disso, tornou-se necessário o ajuizamento da ação, como forma de garantir que a empresa adote medidas efetivas para evitar a prática de racismo religioso por seus motoristas, bem como compeli-la à reparação pelos danos morais coletivos causados às pessoas que professam as religiões de matriz africana”, justificou.